O tolo d'aldeia

Olhos redondos, muito redondos, cansados, sábios e expressivos. Pele gasta, rija quase carapaça com cor de sol há muitos anos a bater nela. Careca branca do chapéu a contrastar com o vermelhão do pescoço. Mãos rijas, fortes e calejadas da enxada. Aquela que o apoia quando não o põe a vergar as costas. Costas batidas, grandes, duras, fortes. Casou com a rapariga que teve um bastardo do patrão, o único com coragem de aceitar uma mulher já com filho, ou o tolo d'aldeia para tantos. Ele sabia que lhe tratavam assim, mas o seu silêncio calava-os a todos. Mas isso já foi há muito tempo, agora os tempos são diferentes. 
Noutro dia víamos um carro a partir da aldeia cheio, carregadíssimo, de pessoas e bens. É sempre assim. Vêm à terra e levam todos aqueles produtos bons, daqueles que não se encontram na cidade. Diz-me ele:
- Dizem que a cidade é onde está a riqueza...eu só os vejo a chegar com o carro vazio e a voltar com o carro cheio. Onde está a riqueza? Mas eu é que sou o tolo...

Foi a única vez que o vi admitir.

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